Última noite na UTI

Eu sabia que estava de alta da UTI, mas sabia também que provavelmente seria transferida para a semi intensiva, somente durante no dia seguinte. Eu estava curiosa em saber quem passaria a última noite de UTI comigo. Fiquei radiante quando soube... 


...que seria o plantão da divertida Maroca, da iluminada Kátia e do doce e bonzinho Marcos. Os três são profissionais espetaculares, que tive o prazer de conhecer. Assim que possível avisei o Marcos que eu iria querer aquela higiene básica com a Mara e a Kátia que me preparavam para dormir; elas cuidavam de mim, cuidavam até do meu cabelo, me deixavam cheirosa, tranquila e em paz. Isso é fundamental pra mim;  para uma boa noite de sono, preciso estar até com perfume. Mal sabia eu, que esse carinho de sempre, seria um problema para o enfermeiro responsável pelo plantão daquela noite. Como diziam na UTI, eu tinha ouvido de tuberculoso, eu escutava tudo, de todos. Sabia de tudo. Naquele plantão comecei a perceber algo incomum.

Para que você tenha uma ideia, antes da troca de plantão, eu já estava com vontade de fazer xixi. Logo que as meninas chegaram, pensei em não incomodá-las logo de cara. Logo, houve um momento em que elas saíram; penso que era um intervalo para comer ou tomar café, algo do gênero. O Marcos havia ficado. Avisei novamente o Marcos que assim que elas voltassem, eu precisaria de ajuda para fazer xixi e desejaria aqueles cuidados básicos de higiene. Ele percebeu que havia urgência na questão.


Assim que a Kátia e a Mara chegaram do intervalo, o Marcos transmitiu o recado, inclusive com a mesma intensidade e sentido de urgência do meu pedido. "Agora não!" eu escutei. Era a ordem do enfermeiro de plantão. Ignorante. Na hora eu pensei "tô lascada". Não sei o por quê, mas aquele projeto de enfermeiro deu ordem para que eu não fosse atendida naquele momento. Para meu desespero.  Ambas teriam problemas se me atendessem naquele momento...teriam problemas com o idiota. Já pressentindo o desastre, eu já havia me enrolado toda em toalhas e lençóis que estavam sobre a cama. Havia feito uma cabana improvisada, para esconder a bagunça. Eu já sabia que eu não me aguentaria. E assim foi. A barragem explodiu. Foi quase um tsunami. Me urinei toda. Cuidei para que todas as toalhas e lençóis absorvessem o material indesejado. Foi um alívio, mas eu sabia que a vergonha chegaria rápido. Fazer xixi na cama com 36 anos de idade?

Na primeira oportunidade, em que o Marcos passou pela frente do meu box, pedi a comadre novamente, eu mal podia respirar, não aguentava mais, pois eu ainda segurava um determinado saldo dentro de mim. O Marcos veio à porta e me disse que as meninas já viriam me atender. Respondi que não. Eu disse: "Marcos tô apertada quero a comadre, por favor". Ele percebeu a desgraça chegando. Me deu a comadre e assim eliminei o saldo que ainda habitava em mim. Mas o Marcos não era bobo, quando viu minha comadre meio vazia, logo perguntou: "Você fez xixi na cama?", "Fiz" respondi constrangida. Ele ficou com pena de mim, deu para perceber. Ele comentou com o enfermeiro e com as meninas que eu havia me urinado toda. O tom do comentário dele transmitia a seguinte ideia "pô meu, era sério, ela pediu várias vezes, agora sobrou pra mim...".


Fiz eu mesma a minha higiene com um monte de lenços umedecidos, recusaria qualquer ajuda após os comentários daquele enfermeiro maldito, chefe de plantão. Babaca. Idiota. Imbecil. Mas enquanto faltava bondade por um lado, sobejava do outro. O Marcos, todo solícito, sempre a postos, compreensivo e gentil, trocou todos os meus lençóis, limpou minha cama, organizou minha bagunça e me arrumou para finalmente poder dormir em paz. Eu queria chorar, mas não consegui de tanta raiva que senti. Eu estava ansiosa para aquela dia acabar logo. Não esperava que minha última noite na UTI que salvou minha vida acabaria daquela forma.


Querido Marcos, você que me aturou, cuidou de mim com tanto zelo e carinho, peço que Deus o abençoe ricamente. Você foi um exemplo de profissional durante minha estada na UTI. Foi verdadeiro e honesto. Você foi uma benção!



Assim como qualquer ser humano,existem profissionais da saúde de elevada estima e caráter, e outros de conduta bem duvidosa.